

Os rios eram por excelência lugar de convívio feminino, espaço de trocas afetivas, políticas e econômicas. O imaginário dos rios abundantes da cidade e das mulheres que os habitavam são pano de fundo para o filme Submersa. No entanto os rios crescem e se materializam em Ana, tomam seu corpo em forma de narrativas. A invadem, são água que pesa, se acumula, pressiona, estoura.
“Ela me contou um segredo enquanto batia aquele lençol velho. Era sempre dela o lugar junto à pedra, na entrevia. Ela vinha com a menina puxada pelo braço, com bacia e trouxa, trazia as roupas da vizinhança de cima, do Morro dos Ingleses. Ela tinha manias e, todas as vezes, apoiava a roupa na pedra grande, subia o vestido e olhava aquela água que ia pelas pernas. Ela era feia feito a gente, era feia de doer os olhos. Ela dizia que não tinha nascido pra isso. Ela batia e a agua escorria escura e a gente não via. Ali não era lugar de ver.
Ela lavava e a gente ouvia. A gente punha os panos ali na água e puxava com toda força que tinha. E o lençol saía, vinha no dobro do peso e a gente tinha que ser mulher forte pra aguentar essas marcas todas que a gente esconde na casa da gente. Ela me disse que um menino morreu na praia, num mar longe de onde a gente desagua. Onde desaguam meninos mortos, sem pernas e braços. Mas ela tinha braços fortes e batia com força aquele lençol na pedra e sem chorar a gente sabia de onde vinha aquela cor, “aquele corpo”, aquele vermelho pretejado. Sem ver a gente via aquelas marcas que o viver deixa na gente, via que ela batia e sem querer a gente sabia que apodrecia, afundava feito lençol velho, feito gente largada no meio do mar.”